segunda-feira, 30 de maio de 2011

e.e. cummings - em algum lugar

















em algum lugar onde nunca estive, e felizmente aquém
de qualquer experiência, teus olhos guardam seu silêncio:
em teu gesto mais frágil há coisas que me envolvem
ou que não posso tocar porque estão muito próximas

teu olhar mais leve facilmente me descerra
embora eu me tenha fechado como dedos,
e me entreabres sempre, pétala por pétala, como a Primavera
(por toques habilidosos, misteriosamente) ante a primeira rosa

ou se teu desejo é me fechar, eu e
minha vida nos fecharemos formosa e rapidamente
como quando o coração desta flor imagina
que a neve — cuidadosamente — está caindo em toda a parte;

nada do que podemos perceber neste mundo se compara
ao poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
me compromete com a cor de seus países
e me entrega para sempre a morte cada vez que respiro

(nada sei do que te faz tão poderosa
ao me mover; mas algo em mim compreende apenas
que a voz de teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem as mãos assim tão pequenas.


e. e. cummings (1894-1962)


[tradução de Jorge Wanderley]

Imagem: Pierre-Auguste Renoir: Jardim