quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Canções da China Antiga






[Pintura atribuída a Wang Wei]

Canção

(Escrita no século 12 antes de Cristo. Possivelmente, é a mais antiga canção à bebida de que se tem notícia na literatura chinesa e no mundo.)

O orvalho cai espesso sobre a relva.
O sol se pôs, finalmente.
Encha, encha até às bordas as taças de jade,
Ainda temos a noite diante de nós!

A noite inteira o orvalho ficará cobrindo
A relva e o trevo.
Em breve, bem breve, o orvalho secará,
Muito em breve a noite estará terminada!


Cao Cao (viveu entre 155 a 220 d.C.)

Contemplando o Mar

Da Pedra Erguida, olhando pra leste,
Exploro o mar sem fim:
Fervilham as águas, sem parar;
Ilhas montanhosas emergem,
Arvoredos espessos,
Luxuriante, a erva.
O vento do Outono sopra e assobia,
Vagas, imensas, se elevam no céu.
O sol e a lua, na sua viagem, parece
Que surgem do meio das ondas
E a Via Láctea, cintilante,
Como que vem do fundo do mar.

Que maravilha!
Canto-a
Nesta canção.


Tao Yuanming (Tao Qian) (365-427)

Bebendo Vinho (O Número Sete)

Crisântemos no Outono, a mais bela cor.
Com orvalho ainda – os colho, e faço-os
Flutuar neste que afoga cuidados:
- Põe-me bem longe do mundo.
Encho, sozinho, um copo de vinho,
Se fica vazio, deita por ele o jarro.
Põe-se o sol, tudo o que é vivo sossega,
Aves de volta entram no bosque cantando.
Assobio na varanda do leste, alegremente:
Encontrei de novo o sentido para a vida.


Meng Haoran (689-740)

Passando a Noite no Rio Jiang-De

A barca atraca na ilhota de bruma,
Crepúsculo: renasce a comoção do viajante.
Uma planura imensa: desce o céu às árvores,
Límpido, o rio: chega-se a lua aos homens.


Wang Wei (701-761)

(Poeta e pintor admirável, igualmente músico, numa das épocas grandiosas da História da China – a dinastia Tang. O Budismo, e particularmente o Budismo cha (zen), de que era convicto praticante, não o impediu de exercer durante bastante tempo cargos oficiais – como bom chinês que era. Da sua obra se diz “que os seus poemas são pinturas e as suas pinturas poemas”.)

Adeus a Yuan, o Segundo, ao Partir em Missão para Anxi

Na cidade de Wei, a chuva, matutina,
Fez assentar a poeira leve do ar.
Tudo está verde, na estalagem,
Verde como as folhas novas do salgueiro.
Peço-te que esvazies, uma vez mais, a tua taça.
Tu vais para o Oeste, além-fronteiras, e não tens lá amigos.

Na Alta Torre

No alto da torre: para a despedida,
Rio e planície no crepúsculo se perdem
Voltam as aves: pôr-do-sol,
O homem caminha, cada vez mais longe.


Bai Juyi (772-846)

(O mais popular poeta chinês, tanto na China como a Ocidente. Foi prolífico e, capaz de ir da sátira  - da aguda crítica social - ao lirismo, deu-nos uma poesia em que o humanitarismo se alia à simplicidade, fazendo dele um dos grandes poetas chineses. Conta-se que lia os poemas a uma sua criada, destruindo os que ela não entendia.)

Ervas sobre a Planície Antiga: Uma Canção de Despedida

Aqui e ali, surgem ervas na planície,
Em cada ano morrem e renascem.
Fogos selvagens queimam-nas, não as matam,
Com o vento primaveril, ei-las outras vez!
A fragrância, longínqua, perfuma a via antiga:
Um feixe de esmeraldas nas velhas ruínas.
É tempo, outra vez, de dizermos adeus,
E do senhor que parte se despedem elas.


Liu Zongyuan (773-819)

Neve no Rio

Sobre mil colinas, nem um voo de ave.
Em dez mil veredas, vestígio algum de passos.
Uma barca solitária, um velho de capa e chapéu de palha,
Pescando, solitário, na neve do rio gelado.

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** (Com exceção da canção inicial, todas as poesias
pertencem a Uma Antologia de Poesia Chinesa,
traduzida e organizada por Gil de Carvalho,
Ed. Assírio e Alvim, 1989)




Não me curvo facilmente


Admiro o talento, a sensibilidade, a inteligência e o conhecimento de várias pessoas, e admiro muito os que persistem na bondade, porque desde que o mundo é mundo os bons quase sempre são recompensados com a ingratidão. Admiro-as, respeito-as pelo que conhecem e pelo que fazem, porém na maioria das vezes o meu corpo permanece em posição reta, não me curvo facilmente. Porque tenho visto só vaidade de vaidades, inclusive neste que ora reflete. O artista, o intelectual, o erudito só fazem porque precisam de platéia e aplausos, sonham em ver seus nomes nas placas e monumentos. E há muitos caridosos que ajudam só pela paz da consciência, ajudam a si mesmos.

Mas quando encontro alguém que possui inteligência e bondade nas mesmas proporções e todo bem que faz é pelo altruísmo que transcende, ou o talentoso genial que consegue ser humilde com sinceridade,  ou o bondoso que não perde o senso de justiça, e da mesma forma o justo que é equânime ao julgar - diante desses eu me curvo em profunda reverência. Em minha vida encontrei pouquíssimas pessoas assim. São raras.