segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Handel: Dettingen Te Deum & Anthem, com o Coro da Abadia de Westminster, dirigido por Simon Preston



HANDEL mudou-se definitivamente para Londres em 1717, quando assumiu o lugar de um dos maiores compositores nascidos na Inglaterra, Henry Purcell, que morrera cedo, em 1695, com apenas 36 anos. A partir de então, Handel, com sua poderosa e versátil inspiração, deu continuidade à obra de Purcell.

Além das odes comemorativas típicas da música britânica, revitalizou a música coral através de mais de 40 oratórios sacros e seculares, hoje famosíssimos. O músico alemão também contribuiu muito para a liturgia anglicana, compondo inúmeros anthems, que estruturou como cantatas, dentre os quais destacam-se os Chandos Anthems. E mais 5 Te Deum. O último deles, Dettingen Te Deum, é obra-prima absoluta.

Esta peça solene surgiu em 1743 para celebrar a vitória da Inglaterra e seus aliados contra o exército francês, que ocorrera em Dettingen, na Bavaria, sob o comando do rei George II e de lorde Stair. O grande hino composto por Handel foi encomendado para a festividade de agradecimento pela batalha ganha. Para a ocasião também foi apresentado outro hino, de proporções menores, mas não menos belo: o Dettingen Anthem. Dettingen Te Deum é uma das mais belas obras de Handel. Hoje é pouco lembrada pelo seu motivo original e sua relação com a história marcial britânica. Outrossim, essa imponente e vasta cantata, com árias e predominância do coro polifônico, foi adotada por várias nações como um hino de júbilo, que se celebra após o tormento e as aflições de qualquer guerra, física e espiritual. Semelhante a Ode an die Freude (Ode à Alegria) de Schiller-Beethoven, é um cântico de louvor à paz mundial.

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Choir of Westminster Abbey
Christopher Tipping, alto (Te Deum & Anthem)
Harry Christophers, tenor (Te Deum)
Stephen Varcoe, bass (Te Deum)
Michael Pearce, bass (Anthem)

The English Concert
Trevor Pinnock, organ

SIMON PRESTON, director

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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Anotações atrás da Cortina (3)


onde estará Salomé
a dançar os rutilantes véus?
o sorriso branco os cílios azuis
as franjas de ébano
as coxas esguias o ventre arfante
onde estarão?

no palácio ainda ecoam
gemidos e lascívia dos festivos
ainda ecoam no palácio
a sofreguidão de Herodes
e os gritos mudos de João

cadê a súplica dos lábios quentes
da princesa dos desvarios?
que notícias me dão do calabouço
e das câmaras mortuárias?
e onde estará aquele
que engoliu o silêncio na hora sexta
antes da festa dos proscritos?

vive ainda Salomé
no contorno das sombras
no pátio rendado de tarântulas
a fitar os olhos ocos de João
na rútila do vento
no escárnio do riso
os gritos mudos de João

e dança... e dança...





terça-feira, 8 de setembro de 2009

Anotações atrás da Cortina (2)


Quando a luz incide na escuridão,
formas grotescas
revelam-se-nos
reais
e distantes da beleza,
que nos atemorizam
e com as quais temos que lutar
para compreendê-las
e talvez vencê-las.

É a luta com o Anjo,
da qual Jacó saiu ferido,
porém muito mais forte.



Anna Muylaert: Durval Discos



O surpreendente Durval Discos, talvez uma obra-prima do cinema nacional, foi a estréia em longa-metragem da roteirista e diretora Anna Muylaert.

Recebeu, merecidamente, no 30. Festival de Gramado de 2003 os principais prêmios: filme, direção, roteiro, fotografia, direção de arte e trilha sonora. Sem dúvida, uma obra como essa só pode engrandecer o Cinema Brasileiro, que nos últimos anos renasceu com brilho; nem todas as realizações alcançaram resultados positivos, mas várias merecem o elogio da crítica internacional.

Definir Durval Discos simplesmente como 'comédia negra', como alguns fazem, é ato absurdo e inconsequente, porque a obra é muito mais do que isso. Há sim em todo filme insinuações irônicas, há humor sarcástico, mas aos poucos a trama nos conduz a um sombrio labirinto que nos lembra a condição humana, a nossa incapacidade de conduzir o próprio destino. Assim como o disco de vinil, o lado A do filme é apenas a preparação para o que virá depois: o lado B, e este não é motivo de riso, é horror transformando-se em tragédia.


A atuação do elenco é de ótimo nível, com destaque para a atriz Etty Fraser. A fotografia de Jacob Solitrenick e a direção de arte de Ana Mara Abreu complementam-se de maneira admirável. Muito competente é a direção geral de Anna Muylaert, que também assina o roteiro. E este é o ponto alto do filme.

Solidamente estruturados, argumento e roteiro cinematográfico tomam de empréstimo o que há de melhor em literatura. A incessante andança dos personagens pela casa lembra Dostoievski; o desenrolar inusitado da trama remete-nos a Ibsen; mas o clima de ansiedade é kafkeano. Não é surrealismo como muitos interpretam, mas sim realismo fantástico. Os personagens – a velha e a criança – não encaram os acontecimentos como ocorrências oníricas, outrossim, como fatos reais e normais do cotidiano. Somente o dono da discoteca – um homem adulto, vivendo portanto fase intermediária, entre a infância e a velhice – se espanta com o desenrolar dos acontecimentos.

Apenas o desfecho me deixou um pouco insatisfeito. Poderia ser melhor concretizado, de uma maneira mais impactante. Mesmo assim está de acordo com uma das mais impressionantes frases do filme, talvez a chave da desesperança humana: “Agora é só esperar virar pó.”

Durval Discos não é uma obra otimista. Antes de qualquer coisa, é realista e verdadeira, apesar da estrutura e da atmosfera onírica.

(Ailton Rocha, resenha de 12-05-2005 à revista Câmara, Ação! de Campinas)

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Durval Discos
Direção e Roteiro: Anna Muylaer
Elenco: Ary França, Etty Fraser, Marisa Orth, Isabela Guasco, Letícia Sabatella

Produção: Sara Silveira e Maria Ionescu
Fotografia: Jacob Solitrenick
Direção de Arte: Ana Maria Abreu
Trilha Sonora: André Abujamra
Duração: 96 min.
Ano: 2002
País: Brasil