terça-feira, 30 de março de 2010

Semana Santa - A Música da Renascença: Lassus, Palestrina e Victoria



As Lamentações, geralmente atribuídas ao profeta Jeremias, são cinco poemas elegíacos, talvez escritos no período da destruição de Jerusalém por Nabucodonosor, no século VI a.C. Comentam a triste condição de Israel: o templo em ruínas e a escravidão, porque o próprio povo tornara-se infiel à Aliança com Deus.

De forma que judeus e cristãos utilizam hoje as Lamentações de Jeremias em momentos litúrgicos de pesar, relembrando fatos de importância da História: os judeus, nos dias de jejum, sofrendo em memória da Jerusalém destruída; os cristãos, na Semana Santa, quando reconstituem a dor de Cristo no Horto das Oliveiras e no martírio do Calvário.

Lassus: Hieremiae prophetae Lamentationes
 Palestrina: Lamentationes Ieremiae prophetae
Victoria: Tenebrae Responsories


A profundidade dramática dessas três obras-primas continua mais viva do que nunca. São apresentadas frequentemente durante a Semana Santa nos mais variados templos cristãos. É música sublime, capaz de comover até as pedras. Não há outra definição mais exata.

De genialidade incontestável, Lassus, Palestrina e Victoria continuam os maiores compositores da Renascença (incluiria William Byrd nesta plêiade). Suas obras foram escritas há quase 500 anos , mas a beleza que há nelas vive, e exerce fascínio até os dias atuais. Pela elaboração artística e pelo conteúdo humano está no mesmo nível da música de Monteverdi, Bach, Handel, Haydn, Mozart e Beethoven.

Para este breve comentário, tomo de empréstimo as palavras do grande crítico literário Otto Maria Carpeaux, que também foi historiador musical. Escreveu apenas um livro sobre o assunto : Uma Nova História da Música, facilmente disponível em publicação popular da Ediouro. É um excelente e valioso "resumo" sobre a música do Ocidente, indispensável na estante dos estudiosos do tema.


Orlandus Lassus (ou Roland de Lassus) (1530-1594)

“Natural de Mons, regente de coros na França e na Itália; de 1560 até sua morte, regente da capela da corte de Munique, centro do catolicismo romano na Alemanha do Sul. Seu universalismo lembra os grandes gênios da Renascença, os Leonardo, os Miguel Ângelo. Sabe dirigir as massas sonoras como se fosse um Handel da época do canto a capela. Assim como Handel, Lassus é cosmopolita: é flamengo, francês, italiano e alemão ao mesmo tempo. O espírito e a técnica contrapontística flamenga são inconfundíveis em grande parte dos seus inúmeros motetes. (...) Lassus é, pela intensidade de seu sentimento profano e pela angústia religiosa, o mais “moderno” entre os mestres “antigos”. Sua síntese de construção rigorosamente arquitetônica e de abundante lirismo já faz pensar na síntese de elementos equivalentes em Brahms. Mas as comparações desta natureza nunca deixam de ferir a consciência historicista. A arquitetura polifônica de Lassus não tem nada que ver com a polifonia instrumental de um pós-beethoveniano; e seu lirismo reflete o estado de espírito de uma sociedade da qual só subsistem recordações livrescas."

"Hieremiae Prophetae Lamentationes" (1585)

Feria V in Coena Domini: Jeudi Saint
1-Lamentatio Prima, Primi Diei:
Incipit Lamentatio Jeremiae Prophetae -
Quomodo sedet sola civitas plena populo! (8:05)
2-Lamentatio Secunda, Primi Diei:
Recordata est Jerusalem dierum afflictionis suae (8:02)
3-Lamentatio Tertia, Primi Diei:
O vos omnes qui transitis per viam (8:47)

Feria VI in Parasceve: Vendredi Saint
4-Lamentatio Prima, Secundi Diei:
De Lamentatione Jeremiae Prophetae:
Cogitavit Dominus dissipare (9:20)
5-Lamentatio Secunda, Secundi Diei:
Cui comparabo te (7:59)
6-Lamentatio Tertia, Secundi Diei:
Ego vir videns paupertatem meam (8:45)

Sabbato Sancto: Samedi Saint
7-Lamentatio Prima, Tertii Diei:
De Lamentatione Jeremiae Prophetae -
Misericordia Domini, quia non sumus consumpti (9:03)
8-Lamentatio Secunda, Tertii Diei:
Quomodo obscuratum est aurum (7:46)
9-Lamentatio Tertia, Tertii Diei:
Incipit Oratio Jeremiae Prophetae –
Recordare, Domini, quid acciderit nobis (6:27)

Tempo Total: [1:14:14]

Ensemble Europeen de la Chapelle Royale
Philippe Herreweghe, director

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Lassus.Lamentationes.Herreweghe.zip


Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594)

“É o mais “clássico” dos compositores; naturalmente, não no sentido da música clássica vienense de Haydn , Mozart e Beethoven, mas no sentido de equilíbrio perfeito, latino, assim como são chamados clássicos os grandes escritores franceses da época de Luís XIV. (...) A vida de Palestrina foi mais agitada do que a serenidade impertubável da sua arte deixa entrever. Foi, sucessivamente, regente da capela Giulia, cantor na capela papal, regente do coro de San Giovanni in Laterano, do coro de Santa Maria Maggiore, enfim, de San Pietro in Vaticano; e mudou tanto porque houve muitos conflitos; porque o triunfo de sua música, sendo oficialmente reconhecida como a da Igreja romana, foi a fase final de uma grande luta. (...) A arte de Palestrina parece-nos a de um mundo alheio da nossa vida musical. Realmente, só existe para servir a liturgia. Palestrina não é um grande compositor que escreve música sacra; é um liturgista que sabe fazer grande música. É isto que lhe garantiu, enfim, a vitória; mas também é isto que o torna tão dificilmente acessível. Pois Palestrina é mais “moderno” do que se pensa. Seu objetivo foi este: tornar o texto sacro, na boca dos cantores, compreensível (o que não acontecera na música dos mestres “flamengos”), sem renunciar a polifonia. Para esse fim, reduziu as complicações contrapontísticas; traçou limites certos à independência melódica das muitas vozes, obrigando-as a coincidir em acordes que, pela consonância, focalizam a palavra. Declamando o texto sacro, confere-lhe a pronúncia certa por colunas de acordes que acentuam as sílabas importantes. Com isso, o princípio da polifonia linear, o da independência das vozes, está parcialmente abandonado: a música de Palestrina ainda é horizontal, melódica, mas também já é vertical, harmônica; e por isso é de eufonia nunca antes obtida. Palestrina nesse estilo “declamatório” porque pretende, muito mais do que os mestres “flamengos”, exprimir musicalmente o sentido emocional dos textos: a tristeza neste vale de lágrimas e o júbilo dos santos. Sua música é, dentro de limites certos, expressiva. Para tanto não procura, na verdade, as modulações de uma tonalidade para outra, o cromatismo; mas não o evita quando parece indispensável. (...) É uma arte antiga; mas não é uma arte morta. Pelo menos nas basílicas e em outras grandes igrejas da cidade de Roma, um certo número de missas de Palestrina pertence ao repertório permanente.”

"Lamentationes Jeremiae Prophetae" (1588)

Feria V in Coena Domini
1-Lectio 1: Incipit Lamentatione Ieremia prophetae (7:16)
2-Lectio 2: Vau: Et egressus est a filia Sion (8:30)
3-Lectio 3: Iod: Manum suam misit hostis (9:34)

Feria VI in Parasceve
4-Lectio 1: De Lamentatione Ieremie prophetae (8:51)
5-Lectio 2: Matribus suis dixerunt (9:12)
6-Lectio 3: Aleph: Ego vir videns paupertatem meam (7:04)

Sabbato Sancto
7-Lectio 1: De Lamentatione Ieremie prophetae (10:03)
8-Lectio 2: Aleph: Quomodo obscuratum est aurum (6:56)
9-Lectio 3: Incipit oratio Ieremiae prophetae (7:05)

Tempo Total: [1:14:31]

Pro Cantione Antiqua
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Palestrina.Lamentationes.ProCantioneAntiqua.zip


Tomás Luís de Victoria (1540-1611)

“Natural de Ávila, foi cedo para Roma, onde trabalhava como regente do coro do Collegium Germanicum dos jesuítas; como capelão da Imperatriz Maria voltou com ela para a Espanha. Nota-se logo uma diferença: Palestrina tinha muitas dificuldades em desempenhar funções litúrgicas, porque era leigo e casado. Victoria era sacerdote. Nunca escreveu uma linha de música profana. Mas sua música sacra é tanto mais expressiva; é altamente dramática, embora sem atravessar, jamais, os limites traçados pelas exigências litúrgicas. Se a música de Palestrina lembra a luminosidade do ar em basílicas como Santa Maria Maggiore e San Pietro in Vaticano, a de Victoria faz pensar na escuridão mística das catedrais de Burgos e Toledo.”

"Officium Hebdomadae Sanctae Tenebrae Responsories" (1585)

Jueves Santo, secondo nocturno
1-Amicus meus (2:34)
2-Judas mercator pessimus (2:10)
3-Unus ex discipulus (2:04)

Jueves Santo, tertio nocturno
4-Eram quasi agnus (2:47)
5-Una hora (2:25)
6-Seniores populi (2:20)

Viernes Santo, secondo nocturno
7-Tanquam ad latronem (2:59)
8-Tenebrae factae sunt (4:04)
9-Animam meam (3:37)

Viernes Santo, tertio nocturno
10-Tradiderum me (2:17)
11-Jesum tradidit impius (2:50)
12-Caligaverunt oculi mei (4:03)

Sabado Santo, secondo nocturno
13-Recessit pastor noster (2:34)
14-O vos omnes (3:14)
15-Ecce quomodo moritur justus (3:04)

Sabado Santo, tertio nocturno
16-Astiterunt reges (1:48)
17-Aestimatus sum (2:48)
18-Sepulto Domino (2:30)

Tempo Total: [50:08]

Coro da Catedral de Westminster
George Malcolm, diretor

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Victoria. TenebraeResponsories.Malcolm.zip



Pinturas:
Carl Heinrich Bloch "Cristo no Getsemâni II, 1880 (detalhe)"
Rogier van der Weyden "Descida de Cristo da Cruz, 1436 (detalhe)"

Imagens: Google (& Prado Museum Spain)

2 comentários:

Rei e Neu disse...

Em "Lassus.Lamentationes.Herreweghe.zip" tem um arquivo corrompido:
02 Jeudi Saint. Lamentatio secunda, Primi Diei.mp3
As 8 faixas restantes estão OK.
Obrigado pela atenção.

Ailton Rocha disse...

Substituí o arquivo corrompido: faixa 2. Agradeço por avisar.