sábado, 26 de novembro de 2011

Sobre o Perdão


O perdão continua sendo um ideal a ser alcançado. Falo do perdão verdadeiro, sem hipocrisia. É um estágio evolutivo que a humanidade ainda não alcançou, com exceção de alguns poucos seres, almas velhas que por aqui passaram incontáveis vezes; e em cada vez, já compreendem a fraqueza humana, e adquirem forças para perdoar. Fora esses casos, nós e a maioria dos que ainda somos humanos, no sentido vasto da palavra, temos que galgar degraus, sendo o primeiro deles evitar todo tipo de vingança, ainda que vivenciemos intimamente o momento de raiva diante das ofensas. O outro passo é trabalhar essa raiva em nós com lucidez, e fazer o possível para que não seja transformada em vibrações de ódio direcionadas para a pessoa que nos magoa. Creio que não desejar o mal já seja um ato benigno que algum dia pode nos levar ao perdão de fato. E é melhor aceitar o fato de que a tristeza e a magoa são uma realidade em nós do que fingir um grau de evolução espiritual que ainda não alcançamos.

Talvez, por isso é que Salomão, homem rico que tudo tinha, só pediu a Deus uma bênção: a sabedoria. Estando de posse dessa graça, adquire-se saúde e paz, compreende-se a fé e o amor com justiça. Mas até mesmo Salomão equivocou-se, pois sabedoria não é um presente que se ganha simplesmente. Na verdade, é uma riqueza que se conquista com o tempo, através de reflexões e ponderações. De tal forma a sabedoria é uma dádiva conquistada que vamos compreendendo que ela não é sinônimo exato de velhice. Nem todos os velhos são sábios. A idade não é contada pelos anos simplesmente vividos, mas sim pelos momentos de reflexão pelos quais as lições são assimiladas, tornando-nos pessoas melhores.

O que podemos pedir a Deus senão a lucidez para estarmos atentos aos sinais e às oportunidades para que esse aprendizado nos leve à sabedoria? Sabedoria e capacidade de perdão são conquistas. Quando sentimos ódio temos que aceitá-lo como tal, e com lucidez entendermos que a ofensa e a humilhação nos acarretam no mínimo uma grande tristeza. É uma reação natural e humana. O que fizermos desse sentimento é que se torna responsabilidade nossa. Se o estendemos por anos a fio, desejando o mal a quem nos feriu, é causa e efeito que somente nós podemos modificar.

Em resumo, ainda que compreendemos em nós por enquanto, com realismo e humildade, a incapacidade de perdoar, podemos também ter a alegria de que já conseguimos não desejar o mal ao ofensor. É um auspicioso degrau na escalada ao ideal do perdão puro.



quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O que sou o que somos




Se perguntar o que sou, direi:
um pensador que não perdeu o rumo dos sonhos.
Mas se eu perguntar a mim quem sou, saberei?

Se ainda giram e circulam galáxias e átomos,
nebulosas fulgem e estrelas surgem,
se células renascem
como açucena no pó das searas,
é porque há no aparente caos uma réstia de luz;
é porque não se cansou ainda de ter esperanças
Aquele que inventa os elementos,
delineia no barro as formas
e concede individualidade às criaturas.

Sim, Dante tinha razão:
É o Amor que conduz todos os sóis,
implode o núcleo das esferas,
movimenta círculos, elipses e Big Bangs,
abre buracos negros e incendeia as supernovas.
É o Amor que efetiva trespasses e metamorfoses,
e em cada um o pulsar inesgotável das efemérides.

Somos grãos de areia, é certo,
mas também damos à ampulheta
o motivo em seu movimento infinito.
Regozijemo-nos! portanto.
Fazemos parte do milagre da vida.

Se perguntarem: Quem és?
Diga: não sei quem sou, mas sei deste item –
neste sangue corre o elemento dos vulcões
e minha carne é centelha de nebulosas.
Sou feito do mesmo brilho e da mesma matéria
de que são feitas as estrelas que surgem e passam.

Fica, enfim, a Alma, síntese e âmago do Criativo.
Mera semente. Somente. E Tudo.



Imagem:
Nebulosa de Helix da Constelação de Aquarius
[Copyright: Hubblesite.org]

domingo, 9 de outubro de 2011

Sobre a Verdade



Se é que realmente aconteceu, um dos trechos mais interessantes do Novo Testamento é quando Pilatos pergunta: "Que é a verdade?".

Quem pode dizer com exatidão o que foi, o que é, e o que será?

As Religiões surgem de experiências individuais que se tornam em crenças coletivas amparadas por dogmas. Ora, o mito é a base da religião, e mitos são construídos por sociedades organizadas e quase sempre tendenciosas.

Assim também a História: múltiplas são as testemunhas oculares e diversos os ângulos dos fatos observados que, posteriormente, são relatados por historiadores que podem se confundir ou, pressionados, vendem-se ao poder vigente. Por isso, no decorrer do tempo, tantos vilões e heróis, ora um ora outro, são execrados ou inocentados.

As Ciências também não possuem a palavra final, pois lidam com verdades provisórias; o que hoje é entusiástico enunciado, amanhã pode ser motivo de riso. Recorde que o nosso planeta já foi estático, recorde que a terra como centro do universo já foi idéia convicta e certa.

A Filosofia, que tende a dissecar a verdade, apoia-se em premissas, que podem ser equivocadas, dependendo da tendência unilateral do pensador. Pensar com sabedoria é dádiva de poucos. No Oriente, consideram sábios aqueles que dançam em torno de um objeto para vislumbrá-lo de todos os lados.

Restam-nos as Artes, e estas não querem provar verdade alguma; pelo contrário, com os véus do mistério obscurecem-na entre a nitidez e a névoa. As Artes são as únicas que aceitam humildemente a incerteza que há na vida e nas coisas do mundo: de que tudo pode ser e pode não ser.

Evidentemente que não estou a desmerecer a conquista das ciências, ou o esclarecimento da história, ou os benefícios da filosofia e das religiões. Quem crê em nada carrega a mesma tolice daqueles que acreditam em tudo. O que me preocupa é a estagnação pela certeza, quando o resultado das investigações torna-se em dogma religioso, científico, seja ele qual for, que estreita os caminhos, que entulha de pedras a passagem estreita, transformando as possibilidades em garganta fechada, por onde é impossível entrar ou sair, enfim, de transitar livremente.   

Talvez, naquela remota época, Pilatos, o procurador romano, só quisesse dizer: cada qual abrace a própria verdade mas, por gentileza, não a proclame como se fosse a única verdade verdadeira.



domingo, 25 de setembro de 2011

Inscrição para minha Lápide


Se algum dia eu tiver uma,
peço aos amigos que inscrevam
palavras em minha lápide:
algum verso colhido de meu riso,
da dor ou da resignação. Não importa!
Mas quero o meu sorriso presente
na derradeira hora da benção
para que todos cantem comigo.

E se,
nos tempos a virem, nada tiver de meu
que compre uma lápide bela e vã,
e tiver que adormecer a cabeça
sob a sombra úmida de um canteiro,
peço-vos que guardem no coração
a minha mais pura lembrança.

E que o corpo seja húmus para a terra,
o meu coração seja vida para as flores,
e que o nome retorne ao que era:
palavra nas águas, brisa nas árvores.

Que todos os meus andrajos da vida
sejam devolvidos à mesma terra
de que foram feitos. Porque a alma,
esta eu devolvo pessoalmente

A Deus.



Ailton Rocha

domingo, 4 de setembro de 2011

Anotações atrás da Cortina (1)


Amor e Pensamento
conduziram a vontade
que elegeu a palavra
que fez surgir a ordem:

Faça-se a Luz!
E a Luz se fez.

O primeiro homem foi moldado e cozido
em poeira, água e fogo;
ao lhe ser insuflado o hálito,
foi dito: Viva! E ele viveu.

E quando homem e mulher erraram,
os Elohim disseram-lhes: Vivam;
com suor e agrúrias, mas vivam!
E eles viveram e colheram ciência.

Porque Luz e Vida andam juntas.
É preciso absorvê-las e cumpri-las.
E isso é bom.