sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Nenhum Homem é uma Ilha



"Nenhum homem é uma ilha isolada", diz o belíssimo poema de John Donne.

Ninguém basta-se a si mesmo.

Poderíamos pensar dessa forma: é possível que haja uma teia singular que une todos os homens, ainda que indivíduos completamente diferentes? Há uma sincronia que nos entrelaça na mesma ideologia e na mesma jornada? A morte de um único homem diminuiria o tamanho do continente e seu isolamento tornaria menor a humanidade? Talvez sim, talvez não.

Ao homem também precisa existir o direito de se isolar, se assim for a sua vontade, com o objetivo de refletir, de se corrigir e de se ampliar interiormente. Aquele que encontrar a si mesmo estará apaziguado. Esse ato também é uma contribuição ao mundo.

Os grandes mestres, em determinada etapa da vida, isolaram-se: Buda sob a figueira, Jesus nos desertos. Isolaram-se para que o encontro fosse possível; para que, através da individualidade compreendida, a pluralidade fosse alcançada. A partir dessa compreensão tornaram-se prontos para acrescentar algo ao povo de onde vieram.  

O Ocidente vê a doação ao próximo como a mais bela forma de subjugar o ego através do amor altruísta. Já no Oriente, na Índia principalmente, compreende-se que 'santo' é aquele que consegue refrear os próprios desejos. Isolado, imerso nas matas mais insalubres, praticando a abstinência, evitando todas as sedes e as fomes que o desviem da rota da purificação, o indivíduo sai vitorioso na guerra contra a própria ignorância. Um homem assim é considerado quase 'deus', porque ao se iluminar, acrescenta um ponto de luz no Universo. 

Portanto em cada povo há um conceito de iluminação. Alguns compreendem que o homem não é e não deve ser uma ilha, que precisa de se unir ao continente; outros crêem que sim, que é necessário que se isole, que proceda assim para se compreender melhor.

Em verdade, não será o homem uma ilha? Todos homens, ilhas esparsas no oceano? Algumas, estreitas; outras, muito largas, tão vastas que podemos chamar de continentes? Mas não importa o tamanho das ilhas. O importante é que todas ilhas possuam pontes, que se comuniquem entre si, que se permitam a permuta de riquezas e o aprendizado mútuo. 

Concluo que nenhum de nós possui visão de águia. Cada um pensa e vê uma parte do mundo. Somando nossos olhos é possível enxergar um imenso panorama. A amizade, a solidariedade e o altruísmo são pontes que nos aproximam. Mas é necessário que a individualidade seja reverenciada, que o ensimesmamento seja livre, que seja respeitada a vontade de ir, de vir, de se retirar no momento desejado. Só assim, creio eu, cada homem em sua ilha interior será uno e ao mesmo tempo universal.   


Fotografia: Solitude, de Roberto Cambusano

domingo, 1 de setembro de 2013

Reflexão



Como é que se molda o barro
e como é que se lhe dá consistência

sem evitar a dor pela lâmina do cinzel
ou a queimadura pelo cozimento no fogo?

                                              

domingo, 28 de julho de 2013

Li T'ai-Po: Caracteres Eternos



Alguns de meus versos preferidos de Li T’ai-Po. É também conhecido por outros nomes: Li Po ou Li Bai. O certo é que viveu no século VIII, no período da Dinastia Tang, considerada a era de ouro das artes chinesas. Li Po e Tu Fu talvez sejam os maiores poetas que a China já conheceu.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Praça Paulistana



A multidão solitária - as ordenadas gentes
caminham silentes para lugar nenhum.
Há eco nas pedras, em cada passo o medo.

Alarido, o triturado silêncio, a Babel moderna.
Criaturas à espreita de feriados, vitrines, ou
trigo - rindo nos circos ou na arena morrendo.
                                   
Até quando? marionetes de âmbar e ébano,
indo manipuladas pela ironia de líderes,
essas promessas que jamais se realizam.

E pessoas vaidosas colocam nas urnas o voto.
Nos bastidores os escolhidos trocam risadas:
-Povo não governa. -Democracia é doce ilusão.
                                   
Na capital paulista há uma praça chamada Luz.
Por ela, dia-a-dia, muitos passam apressados,
e não olham o busto de Giuseppe Garibaldi.

Nele ninguém mais lê uma antiga inscrição,
para o povo escrita: “Sociale Giustiza”.
Nítida, mas apagada, no tempo esquecida.


[1983-2013]


domingo, 26 de maio de 2013

Pablo Neruda: O Grande Oceano - Enigmas (Peixe Encerrado no Vento)



Poucos poetas criaram metáforas tão mágicas como o chileno Pablo Neruda. Era mestre em (re)inventar o sentido das palavras. Nessa viagem nenhum dicionário pode ser útil, porque só mesmo a intuição pode decifrá-las. Por isso, quanto mais rica a mundividência, mais vasta a colheita.

Alguns críticos azedos enxergam mal a lírica de Neruda e acusam-na de sentimentalismo piegas; outros torcem o nariz dizendo que já é gasto e ineficiente o socialismo de seus versos. Ora, essas opiniões vêm de alguns cabeças de ovo, intelectuais sem sensibilidade, que não conseguem ver além da semântica ou da estrutura do texto. Para compreender a poesia é preciso muito mais do que um cérebro afiado. Concordo com Hermann Hesse que disse certa vez, ao ler uma crítica incompreensiva sobre Proust: “Quero mais é que cresçam musgos sob a língua desses críticos.”

O poema abaixo foi muito bem utilizado no filme “Ponto de Mutação”, da obra de Fritjof Capra. Não li o livro, mas vi o filme. É interessantíssmo! E o recomendo a todos: Um político, uma cientista e um poeta discutem problemas físicos e metafísicos, tentando encontrar um caminho para a salvação da Humanidade. No filme, no momento em que o político totalmente perdido não encontra um caminho para a preservação do planeta, no instante em que a cientista tenta encontrar uma solução em seus teoremas, e a física quântica timidamente tenta ajustar o ponteiro de sua bússola, então o escritor recita Neruda. A poesia surge talvez não para esclarecer, mas para nos consolar e sugerir humildade diante das dimensões labirínticas do Universo.

Grandes poetas sempre existiram e continuarão existindo, alguns mais geniais, outros menos, mas todos passam horas e horas lapidando o texto com o intuito de nos presentear com beleza estética e espiritualidade, seja ela doce para o nosso enlevo, seja amarga para nos alertar e nos incitar ao crescimento. Podemos comprar os seus livros, mas a riqueza que nos oferecem... jamais podemos pagá-la o suficiente.

Viva Neruda !

Enigmas


Me tendes perguntado que fia o crustáceo entre
as suas patas de ouro e vos respondo: O mar o sabe.
Me dizeis o que espera a ascídia em seu sino transparente?
Que espera? Eu vos digo, espera como vós, o tempo.
Me perguntais a quem alcança o abraço da alga Macrocustis?
Indagai-o, indagai-o a certa hora, em certo mar que eu conheço.

Sem dúvida me perguntareis pelo marfim maldito
do narval, para que eu vos responda
de que modo o unicórnio marinho agoniza arpoado.
Me perguntais talvez pelas plumas alcionárias que tremem
nas puras origens da maré astral?
E sobre a construção  cristalina do pólipo tereis
embaralhado, sem dúvida
uma pergunta a mais, debulhando-a agora?
Quereis saber a elétrica matéria das puas do fundo?
A armada estalactita que caminha se quebrando?
O anzol do peixe pescador, a música estendida
na profundidade como um fio na água?

Eu quero dizer-vos que isto o sabe o mar,
que a vida em suas arcas
é vasta como a areia, inumerável e pura
e entre as uvas sanguinárias o tempo poliu
a dureza duma pétala, a luz da medusa
e debulhou o ramo de suas fibras corais
de uma cornucópia de nácar infinito.

Eu não sou mais do que a rede vazia que mostra
olhos humanos, mortos naquelas trevas,
dedos acostumados ao triângulo, medidas
de um tímido hemisfério de laranja.

Andei como vós escarvando
a estrela interminável,
e na minha rede, à noite, acordei nu,
única presa, peixe encerrado no vento.


(de Canto Geral, parte XIV: O Grande Oceano)

Pablo Neruda (1904-1973)

[tradução de Paulo Mendes Campos, 
revista por Maria José de Queiroz]

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Décio Pignatari: O Jogral e a Prostituta Negra (farsa trágica)


Onde eras a mulher deitada, depois
dos ofícios da penumbra, agora
és um poema:

Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.

É à hora carbôni-
ca e o sol em mormaço
entre sonhando e insone.

A legião dos ofendidos demanda
tuas pernas em M,
silenciosa moenda do crepúsculo.

É a hora do rio, o grosso rio que lento flui
flui pelas navalhas das persianas,
rio escuro. Espelhos e ataúdes
em mudo desterro navegam:
Miras-te no esquife e morres no espelho.
Morres. Intermorres.
Inter(ataúde e espelho)morres.

Teu lustre em volutas (polvo
barroco sopesando sete
laranjas podres) e teu leito de chumbo
têm as galas do cortejo:

Tudo passa neste rio, menos o rio.

Minérios, flora e cartilagem
acodem com dois moluscos
murchos e cansados,
para que eu te componha, recompondo:

Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.

(Modelo em repouso. Correm-se as mortalhas das persianas. Guilhotinas de luz lapidam o teu dorso em rosas: tens um punho decepado e um seio bebendo na sombra. Inicias o ciclo dos cristais e já cintilas).

Tua al(gema negra)cova assim soletrada em câma-
ra lenta, levantas a fronte e propalas:
“Há uma estátua afogada...” (Em câmara lenta! – disse).
“Existe uma está-
tua afogada e um poeta feliz (ardo
em louros!). Como os lamento e
como os desconheço!
Choremos por ambos.”

Choremos por todos – soluço, e entoandum
litúrgicos impropério a duas vozes
compomos um simbólico epicédio AAquela
que deitada era um poema e o não é mais.

Suspenso o fôlego, inicias o grande ciclo
subterrâneo do retorno
às grandes amizades sem memória
e já apodreces:

Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.


*** 
Décio Pignatari (1927-2012)


domingo, 20 de janeiro de 2013

Não Há Fim











Como podemos notar, o mundo não chegou ao fim, pois não existe fim. Eis o que temos: metamorfoses e transmutações, em condições infinitas.

Sim, um dia, daqui alguns bilhões de anos, o sol vai esfriar, e vai apagar a sua luz, e todos os planetas deste sistema serão esferas de gelo ou pó cósmico de nebulosa. Isso é evidente e inevitável. 

Mas não nos preocupemos com as modificações naturais. Até isso acontecer, todos nós, os que habitamos este lugar, já estaremos há muito tempo em distantes galáxias prosseguindo a nossa evolução. Recorde: não somos apenas poeira de estrelas, somos muito mais: somos almas imortais. Diante disso, não existe fim. Mudamos apenas a localização de nosso Lar. 

Hoje temos a Terra, esta boa mãe que na forma física nos acolhe, e que merece a nossa mais profunda gratidão. E qual a maneira mais sábia de demonstrar esse respeito à Mãe Natureza, aqui e agora, senão cuidando bem de nossos irmãos do ar, da terra e da água? Todos dependem de todos, tudo está interligado a tudo. Ignorar essa verdade é antecipar as nossas metamorfoses, antes do momento certo. 


Credit Image: NASA astronaut photograph - ISS022-E-6674