terça-feira, 8 de setembro de 2009

Anna Muylaert: Durval Discos



O surpreendente Durval Discos, talvez uma obra-prima do cinema nacional, foi a estréia em longa-metragem da roteirista e diretora Anna Muylaert.

Recebeu, merecidamente, no 30. Festival de Gramado de 2003 os principais prêmios: filme, direção, roteiro, fotografia, direção de arte e trilha sonora. Sem dúvida, uma obra como essa só pode engrandecer o Cinema Brasileiro, que nos últimos anos renasceu com brilho; nem todas as realizações alcançaram resultados positivos, mas várias merecem o elogio da crítica internacional.

Definir Durval Discos simplesmente como 'comédia negra', como alguns fazem, é ato absurdo e inconsequente, porque a obra é muito mais do que isso. Há sim em todo filme insinuações irônicas, há humor sarcástico, mas aos poucos a trama nos conduz a um sombrio labirinto que nos lembra a condição humana, a nossa incapacidade de conduzir o próprio destino. Assim como o disco de vinil, o lado A do filme é apenas a preparação para o que virá depois: o lado B, e este não é motivo de riso, é horror transformando-se em tragédia.


A atuação do elenco é de ótimo nível, com destaque para a atriz Etty Fraser. A fotografia de Jacob Solitrenick e a direção de arte de Ana Mara Abreu complementam-se de maneira admirável. Muito competente é a direção geral de Anna Muylaert, que também assina o roteiro. E este é o ponto alto do filme.

Solidamente estruturados, argumento e roteiro cinematográfico tomam de empréstimo o que há de melhor em literatura. A incessante andança dos personagens pela casa lembra Dostoievski; o desenrolar inusitado da trama remete-nos a Ibsen; mas o clima de ansiedade é kafkeano. Não é surrealismo como muitos interpretam, mas sim realismo fantástico. Os personagens – a velha e a criança – não encaram os acontecimentos como ocorrências oníricas, outrossim, como fatos reais e normais do cotidiano. Somente o dono da discoteca – um homem adulto, vivendo portanto fase intermediária, entre a infância e a velhice – se espanta com o desenrolar dos acontecimentos.

Apenas o desfecho me deixou um pouco insatisfeito. Poderia ser melhor concretizado, de uma maneira mais impactante. Mesmo assim está de acordo com uma das mais impressionantes frases do filme, talvez a chave da desesperança humana: “Agora é só esperar virar pó.”

Durval Discos não é uma obra otimista. Antes de qualquer coisa, é realista e verdadeira, apesar da estrutura e da atmosfera onírica.

(Ailton Rocha, resenha de 12-05-2005 à revista Câmara, Ação! de Campinas)

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Durval Discos
Direção e Roteiro: Anna Muylaer
Elenco: Ary França, Etty Fraser, Marisa Orth, Isabela Guasco, Letícia Sabatella

Produção: Sara Silveira e Maria Ionescu
Fotografia: Jacob Solitrenick
Direção de Arte: Ana Maria Abreu
Trilha Sonora: André Abujamra
Duração: 96 min.
Ano: 2002
País: Brasil

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