terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Pablo Neruda: Os Construtores das Estátuas


(...)

Tu me perguntarás se a estátua em que tantas
unhas e mãos, braços escuros fui gastando,
te reserva uma sílaba de cratera, um aroma
antigo, preservado por um signo de lava?

Não é assim, as estátuas são o que fomos, somos
nós, no nosso rosto que olhava as ondas,
nossa matéria às vezes interrompida, às vezes
continuada na pedra semelhante a nós.

(...)

Arranharás a terra até que nasça
a firmeza, até que caia a sombra na estrutura
como sobre uma abelha colossal que devora
o seu próprio mel perdido no tempo infinito.

Tuas mãos tocarão a pedra até lavrá-la
dando-lhe a energia solitária que possa
subsistir, sem se gastarem os nomes
que não existem,
e assim de uma vida a uma morte, amarrados
no tempo como uma única mão que ondula,
elevamos a torre calcinada que dorme.

(...)

Olhai-as hoje, tocai esta matéria, estes lábios
têm o mesmo idioma silencioso que dorme
em nossa morte, e esta cicatriz arenosa,
que o mar e o tempo como lobo lamberam,
eram parte de um rosto que não foi derrubado,
ponto de um ser, cacho que derrotou cinzas.

Assim nasceram, foram vidas que lavraram
sua própria cela dura, seu panal na pedra.
E este olhar tem mais areia que o tempo.
Mais silêncio que toda a morte em sua colmeia.

Foram o mel de um grave desígnio que habitava
a luz deslumbrante que hoje resvala na pedra.


(trechos de Os Construtores das Estátuas,
em Canto Geral, 1950)


Pablo Neruda (1904-1973)

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