domingo, 14 de dezembro de 2014

Walt Whitman: Canção de Mim Mesmo



Me elevo da lua .... me elevo da noite,
E percebo nesse lívido lampejo
os raios do sol do meio-dia refletidos,
E desemboco no que é estável 
e está no centro do maior ou menor rebento.

Aquela coisa em mim .... não sei o que é .... 
só sei que está em mim.

Cansado e suado .... calmo e fresco fica meu corpo;
Durmo ... durmo por muito tempo.

Não sei o que é .... não tem nome .... é uma palavra não dita,
Não figura em nenhum dicionário nem expressão nem símbolo.

Algo que gira acima de algo mais imenso que a Terra aonde giro,
Para ela a criação é o amigo cujo abraço me faz recordar.

Quem sabe diga mais alguma coisa .... 
Esquemas! Imploro a meus irmãos e irmãs.

Estão vendo isso Ó meus irmãos e irmãs?
Não é caos nem morte .... é forma e coesão e projeto .... 
é vida eterna .... é felicidade.

O passado e o presente definham .... já os enchi e esvaziei,
Passo a encher minha própria dobra do futuro.

Vocês que me escutam aí em cima! Você aí .... 
algum segredo para me contar?
Me encare enquanto assopro o discreto poente,
Seja sincero, ninguém está te ouvindo, 
só vou ficar mais um minuto.

Me contradigo?
Tudo bem, então .... me contradigo;
Sou vasto .... contenho multidões.

Me concentro nos que estão perto .... espero na porta.

Quem terminou o batente e vai jantar mais cedo?
Quem quer passear comigo?

Você vai falar antes que eu vá embora? 
Ou virá quando já for tarde demais?

O falcão pintado dá uma rasante sobre mim e me acusa .... 
reclama de minha conversa fiada, minha preguiça.

Também não sou facilmente amestrado ....
também não sou facilmente traduzível,
Solto meu urro bárbaro sobre os telhados do mundo.

A última nuvem do dia se demora por mim.

Lança minha semelhança após o resto, 
fiel como todas nos ermos sombrios,
Me incita para o vapor e para o crepúsculo.

Vou-me feito vento .... agito meus cabelos brancos 
contra o sol fugitivo,
Esparramo minha carne em redemoinhos 
e a deixo flutuar em retalhos rendados.

Me entrego à terra pra crescer da relva que amo,
Se me quiser de novo me procure sob a sola de suas botas.

Vai ser difícil você saber quem sou 
ou o que estou querendo dizer,
Mas mesmo assim vou dar saúde,
Vou filtrar e dar fibra a seu sangue.

Não me cruzando na primeira não desista,
Não me vendo num lugar procure em outro,
Em algum lugar eu paro e espero você.


(final do poema "Canção de Mim Mesmo",
em "As Folhas da Relva")

Um comentário:

Anônimo disse...

Maravilhoso amigo. Não "cheguei nele" ainda. Alexandre Eli