terça-feira, 12 de maio de 2009

Bach: Concertos de Brandenburgo, com The English Concert, dirigido por Trevor Pinnock




A Obra

Em 1721, quando BACH apresentou e dedicou esses Seis Concertos a Christian Ludwig, duque de Brandenburgo, não imaginava que logo em seguida eles seriam esquecidos e, após a morte do margrave, vendidos por uma pequena quantia, correspondente hoje a alguns ínfimos centavos. Imaginava muito menos que em 1850 esses concertos seriam exumados e publicados, e no século XX seriam considerados como uma das maiores obras musicais da história da humanidade. Em termos de música, não há o que dizer, é a perfeição absoluta.

Nas primeiras décadas do século XX, essas obras eram apresentadas por uma orquestra enorme, conforme o gosto estético do exagerado romantismo do entre séculos, o que não dava idéia da verdadeira concepção estética de Bach e do próprio estilo barroco. Foi assim que muitas pessoas daquela época conheceram esses Concertos de Brandenburgo. Eram de um Bach pesadão e arrastado.

A partir dos anos 20, quando o estilo neoclássico entrou em moda, muitos regentes jovens quiseram estudar as partituras originais das peças barrocas e clássicas, determinando o início da chamada ‘arqueologia musical’. Com rigor devolveram a verdadeira estética a essas obras, buscando no andamento correto e em cada instrumento a sonoridade de como era na época em que viviam os compositores. O aperfeiçoamento dessa leitura ampliava-se a cada tentativa de aproximação de seus respectivos estilos e escolas. Então foi possível ouvir Bach como realmente deveria ser: ágil, leve e ao mesmo tempo vertiginosamente complexo.

Há uma espantosa variedade na estrutura desses Seis Concertos. Até mesmo os ouvintes habituados com a Obra total de Bach surpreendem-se com a riqueza que há neles. Alguns pertencem ao legítimo concerto grosso, como os de Nos. 2, 4 e 5 em que o concertino (um ou mais instrumentos solistas) dialogam com o ripieno (as cordas). Os outros, Nos. 1, 3 e 6, são concertos sem solistas. Neste caso, são as partes que se alternam nos temas em diálogo, complementando-se como dois coros. Nos Concertos Nos. 3 e 6, por exemplo, os violinos “conversam” com os violas, ou como ocorre no Concerto No. 1, um grupo de cordas alterna-se com o de sopros. De fato, como Bach prescrevera, apenas esse primeiro Concerto deveria utilizar uma orquestra de médio porte; os outros cinco foram idealizados como concertos de câmara. E realmente ficam muito melhores nessa distribuição reduzida de instrumentos do que numa orquestra inteira que obscurece a agilidade e a clareza dos temas.

Bach era fascinado por números. Nos Concertos de Brandenburgo a concepção arquitetônica das formas demonstra isso. O No. 2 tem o formato triangular: um solista, o trumpete, situa-se no ápice; logo abaixo é apoiado por outros três (oboé, flauta-doce e violino), e como base aos quatro estão as cordas. Não se sabe o motivo de ser atribuído a ele o No. 2, pois deveria ser 3. A sua estrutura assemelha-se em tudo a uma pirâmide. Ao Concerto No. 3 Bach reservou a idéia do espelho múltiplo. É executado por três grupos de cordas, cada um formado por uma tríade: 3 violinos, 3 violas e 3 violoncelos. Sem contar o baixo contínuo que as apoia, as partes perfazem o número 9. Nos Concertos Nos. 4 e 5 os 3 instrumentos solistas se alternam com as cordas (2 e 2, 1 e 3 , 2 e 3, 3 e 2). E o Concerto No. 6 repete a estrutura do No. 3, sendo 3 partes de 2 instrumentos, formando o número 6. Em todos os concertos há esse fascinante jogo numerológico que todos podem observar. Cada um tem a oportunidade e o direito de tirar suas próprias conclusões matemáticas ou mesmo esotéricas. Pitágoras ia delirar com uma música assim.

Os estilos também são dos mais diversos: há o ritmo de concertos de mestres italianos como Corelli, Torelli, Albinoni e principalmente Vivaldi, mestre que Bach estudou muito; há os elementos franceses como as danças estilizadas de alguns movimentos ao gosto de Couperin. Já a utilização de instrumentos de sopro é nitidamente de preferência alemã. No sexto concerto foi utilizada a viola da gamba que na época já era antiquada, mas Bach quis prestar homenagem ao século XVII, como uma despedida ao passado, trazendo de volta os dias de glória desse instrumento com sua sonoridade única. Hoje esses instrumentos precursores das cordas atuais da orquestra também estão de volta, mais vivos do que nunca, o que podemos confirmar nas inúmeras gravações do regente espanhol Jordi Savall, que é um dos maiores violistas da gamba atuais.

Nesses Concertos de Brandenburgo, Bach, sem perder a individualidade, mesclou tudo que aprendera com os mestres anteriores e criou os mais versáteis concertos barrocos de que se tem notícia.

Quanto à atmosfera, esta dispensa comentários, é a música mais feliz, de maior beleza e luminosidade já escrita.

Os Intérpretes

Já ouvi excelentes versões e leituras destes concertos, mas a presente gravação do ENGLISH CONCERT, dirigido por TREVOR PINNOCK, supera todas. Aqui está a resposta para aqueles que reclamam de que todas flautas barrocas soam como canos de pia, ou de que todo violino do período possui sonoridade estridente. Nesta gravação do English Concert não há nada disso.

Michael Laird brilha, executando o trumpete natural no Concerto No. 2, um solo absurdamente difícil. O excelente violinista Simon Standage, tocando em instrumento do século XVIII, dá conta perfeitamente das vertigens virtuosísticas do Concerto No. 4. A flautista Lisa Beznosiuk supera-se a si mesma nesta gravação do Concerto No.5. E o que podemos falar do próprio Trevor Pinnock na direção e no solo dificílimo de cravo do mesmo Concerto No. 5? Está magnífico, assim como todo o The English Concert.

Arte Compartilhada

A vontade que dá é escrever páginas e páginas sobre esses Seis Concertos. Mas paro por aqui. Não tenho a pretensão de fatiar e detalhar esses diamantes de arte. Seria necessário um livro inteiro para comentá-los. E ainda assim seria pouco. Ou seja, a audição dessa música grandiosa por si só vale mais do que milhares de palavras.

Para quem se interessar, aqui está a recomendadíssima gravação: 2 CDs, cada um com 3 concertos. Não se esqueçam, porém, que uma vez apreciada a obra em mp3, recomendo que adquiram-na em alguma loja, pois o som do CD original é superior.


Download MP3 - Baixar:
CD1: Concertos de Brandenburgo Nrs 1, 2 e 3
Bach.BrandenburgCtos.123.Pinnock.zip
CD2: Concertos de Brandenburgo Nrs 4, 5 e 6




2 comentários:

Marco disse...

Ailton,o seu texto sobre o Concertos de Brandenburgo é magnífico. Assim como a riqueza desses concertos, também a leitura do texto foi muito rica e plena de novos conhecimentos para mim.

Marco Antonio

Ailton Rocha disse...

Obrigado, Marco Antonio, pela presença e pelas palavras! Realmentte, a obra de Bach é imensa, em todos os sentidos. Seria um tanto mais pobre a humanidade, se Bach não tivesse nascido.

Abraço
Ailton