sexta-feira, 6 de março de 2009

Hermann Hesse: Lenda Chinesa


Este pequeno texto foi publicado em 1959, numa revista suiça, pelo grande escritor, poeta e pintor alemão Hermann Hesse. Não se sabe se é de autoria do próprio Hesse, ou uma tradução sua de algum original chinês, já que foi um apaixonado pela cultura oriental, transcrevendo e compilando aforismos e lendas ao longo da vida. É um texto interessante e divertido, que nos incentiva a refletir sobre a (in) exatidão do real e que todos os pontos de vista possuem a sua parte de verdade.

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Conta-se de Meng Hsie:

Quando ele soube que os jovens artistas procuravam ficar de cabeça para baixo, a fim de ter uma nova perspectiva das coisas, também Meng Hsie se submeteu imediatamente a esse exercício, e após tê-lo experimentado por algum tempo, disse a seus discípulos:

“De maneira nova e mais bonita o mundo se espelha em meus olhos, quando fico de cabeça para baixo.”

Isso se divulga e os renovadores entre os jovens artistas orgulharam-se bastante dessa confirmação, pelo velho mestre, de suas experiências. Sendo que ele era conhecido como bastante lacônico e educara seus discípulos mais por sua presença e seu exemplo que por ensinamentos, qualquer pronunciamento dele era levado em conta e divulgado.

E logo depois que aquelas palavras tinham encantado os renovadores, porém causado estranheza e até ira em muitos velhos, tornou-se público um outro de seus ditos. Ele se teria ultimamente, assim se contou, manifestado dessa maneira:

“Que bom que o homem tenha duas pernas! Estar de cabeça para baixo não é bom para a saúde e, quando se erguer aquele que estava de cabeça para baixo, o mundo se espelha duplamente lindo nos olhos do homem que está de pé.”

Essas palavras do mestre causaram escândalo tanto nos jovens de cabeça para baixo que se sentiram por ele traídos ou ironizados, como também aos mandarins.

“Hoje”, disseram os mandarins, “Meng Hsie afirma isso e amanhã o contrário. Mas é impossível que existam duas verdades. Assim, quem poderá ainda levar a sério o velho que se tornou insensato?”

Foi denunciado ao mestre como os renovadores e os mandarins dele falavam. Ele apenas riu.

E como os seus pediram dele uma explicação, ele disse:

“Existe a verdade, ó adolescentes, e essa não pode ser abalada. Verdade, porém, a saber, opiniões sobre a realidade, expressas por palavras, há inúmeras, e cada uma é tão certa quanto é errada.”

Apesar de todos os esforços envidados, os discípulos não conseguiram obter dele maiores explicações.




Um comentário:

Anônimo disse...

Um dos contos que mais gosto de Hesse é "O último Verão de Klingsor". Quando o li, pensei imediatamente na obra de Gustav Mahler "Canção da Terra" porque esta obra se baseia num poema de Li Tai Pô.

Fora isso, eu adoro as "Four Last Songs" de R. Strauss. Quando eu escutei "Ao adormecer" fiquei ennatado! Só depois descobrir que esta canção é de um poema de Hesse! MIstérios...