“Um amigo fiel é um poderoso refúgio,
quem o descobriu descobriu um tesouro.”Eclesiástico 6, 14
quem o descobriu descobriu um tesouro.”Eclesiástico 6, 14
As pessoas estão desatentas.
Elas somente entendem amor e riso nos momentos circunstanciais da alegria. Esbanjam afagos na festa da amizade na época em que sobram água, manjares e sombras. Fartam-se sob a égide da cornucópia, mas no tempo das duras penas elas deixam os amigos para trás, perdidos na tempestade.
As pessoas estão muito desatentas.
Só compreendem a essência da vida depois que passam os vendavais, quando se assentam os aluviões de poeira. Elas olham para trás, com tristeza, e lamentam as paisagens em destroços; só assim se lembram daqueles que ficaram esquecidos com as mãos estendidas no torrencial de areia.
As pessoas só compreendem o pouco caso que deram aos oásis humanos quando chega o tempo dos domingos murchos, em que a vaidade é um jardim vazio, em que as aparências mostram-se inúteis, época em que as paixões chegam ao fim. Então, algumas pessoas revivem rostos amados e insinuam um sorriso tardio de compreensão.
Lamentavelmente, a maioria das pessoas só compreende a essência da vida na chegada do outono, quando aparecem as rugas. Para essas pessoas, já, há muito tempo, desabrocharam as flores. E essas também emurcheceram. Só lhes restam agora iniciar a colheita dos últimos frutos, se, por ventura, eles existirem.
São muitas as pessoas que passam pela vida. Passam, passam. E no final erguem a cabeça e notam de muitas maneiras que desatentas passaram. As oportunidades, extintas quase todas; as chances de exercer a solidariedade, mal aproveitadas, esvaídas na inércia.
Fiquemos sempre atentos ao provérbio: “Como é fácil ser amigo de um amigo em suas horas de plenitude!”
Externo aqui a minha admiração aos que despertam, ainda que tardiamente, e tentam recuperar uma mínima parcela do tempo perdido, buscando compreender a dor alheia nas mesmas proporções que, um dia, partilharam da alegria e das festas no coração iluminado do amigo.
Todos sabemos que um amigo sincero e bom é como um anjo em nossa vida. Como são aconchegantes as asas que abraçam e a voz melíflua que aconselha! Ora, conviver com sorrisos e afagos nada custa. Beber no cálice da alegria em tempos sem tormenta é o que de mais fácil há no transcurso da existência. Mas eis que toma de assalto o amigo a chaga do infortúnio. Esta é a hora da prova da verdadeira afeição, pois o que seria de nós se virássemos as costas a quem abraçávamos, certa vez, na regalia da festança, e com quem fomos, incondicionalmente, felizes?
Fora bom receber, mas, agora, como é angustiante amparar o anjo caído! Pois quando um amigo cai, sentimos que o nosso ponto de apoio também se modifica, a segurança se abala. No entanto, é justamente nessas horas que o apoio deve se cumprir fundamental, momento em que o abraço de receptividade pode amparar o corpo que cai, direcionando nesse abraço todas as forças, centrípetamente, para um único ponto central que pode ser o coração do amigo que sofre.
Não meçam esforços para ajudar o amigo que sofre, desde que este lhe peça o conforto, ainda que insinuado, porque auxiliar os que abaixam a cabeça e insistem em se despedir da vida é ato infrutífero, é como escrever sobre águas ou pretender atar as beiradas do vento. Quando essa atitude se faz concreta, então orem por ele em suas horas de meditação. Respeitem o silêncio do amigo e o aguardem de braços abertos para quando ele estiver pronto e solicitar o seu amparo.
Enfim, velai por todos! Nos episódios tortuosos da vida, estendam as mãos para aqueles que, em algum momento, foram os seus companheiros de alegria, pois é bem mais verdadeiro o sabor do riso compartilhado após os tormentos do que a volubilidade das taças que tinem no vazio dos motivos. As duradouras amizades são aquelas iniciadas no riso, temperadas na mútua compreensão da dor e depois consubstanciadas no sorriso do agradecimento. Eis a amizade sólida, a alegria que dura e que ultrapassa os obstáculos do tempo.
É sempre bom darmos graças àqueles que despertaram e conseguiram capturar a mínima parcela das horas perdidas. E por aqueles que terminam a vida da mesma forma como começaram: em profunda sonolência, oremos por eles. Não puderam aprender com a doação da amizade em solidariedade. Oremos para que despertem da letargia !
(em "Sobre a Cinza e o Fogo: Pequenas Reflexões")
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