Há alguns dias, li de um crítico a seguinte frase: Shakespeare é muito popular. Popular? Mas como? Com certeza, de nome ele é, e quanto às obras? Shakespeare é lido? Multidões vão ver as suas peças encenadas em seu habitat natural: o palco de teatro? Não creio.
As comédias de Shakespeare foram muito populares na sua época. Quanto a isso, não há dúvidas. E tal fato vem ocorrendo, mas em proporções menores, desde o período elisabetano, em que o dramaturgo viveu. Ao criar as suas peças neste gênero, utilizou temas e diálogos ao gosto do povo, artifício deveras arguto. Eram mencionados no texto assuntos do dia, chistes e trocadilhos, de fácil compreensão, muito mais para aquela época, a ponto de hoje nos fugir do entendimento o que significavam, se não os buscarmos nas fontes históricas. Shakespeare e o Teatro precisavam sobreviver. E para tanto a casa de espetáculos precisava de gente para assisti-lo. Principalmente as comédias ditas "italianas" são ricas em ingredientes populares, e As Alegres Comadres de Windsor utiliza o folclore que os ingleses conheciam bem de longa data; tinham o Falstaff assim como nós temos Malazarte, embora com características psicológicas diferentes. Tais peças estão entre as melhores do gênero: Os Dois Cavalheiros de Verona, Trabalhos de Amor Perdidos, Como Gostais, Noite de Reis, e a fantástica Sonho de uma Noite de Verão, que não é "italiana", mas é uma das melhores da primeira fase. Deliciosas e maravilhosas são essas comédias destinadas ao povo, o que não significa que eram simplórias. O jogo de palavras é de uma perspicácia sempre admirável, da mesma forma que o são os ditados populares em todos os cantos da terra. Enfim, são peças de conteúdo popular, mas de elaborada estrutura formal. Essas comédias ainda fazem sucesso no mundo todo, devido à habilidade do dramaturgo de recriar situações cômicas, e principalmente pelos inteligentes diálogos, que demonstram o jogo da sedução; do mesmo jeito que eram deliciosos na época, permanecem vívidos e atuais, de compreensão para todos, senão os chistes, ao menos a intenção dos pares que se escondem e aparecem, que açulam e se negam, alternando-se como gelo e fogo, com o objetivo de aguçarem o instinto de erotismo. E isso é entendido muito bem tanto naqueles como nestes tempos.
As comédias de Shakespeare foram muito populares na sua época. Quanto a isso, não há dúvidas. E tal fato vem ocorrendo, mas em proporções menores, desde o período elisabetano, em que o dramaturgo viveu. Ao criar as suas peças neste gênero, utilizou temas e diálogos ao gosto do povo, artifício deveras arguto. Eram mencionados no texto assuntos do dia, chistes e trocadilhos, de fácil compreensão, muito mais para aquela época, a ponto de hoje nos fugir do entendimento o que significavam, se não os buscarmos nas fontes históricas. Shakespeare e o Teatro precisavam sobreviver. E para tanto a casa de espetáculos precisava de gente para assisti-lo. Principalmente as comédias ditas "italianas" são ricas em ingredientes populares, e As Alegres Comadres de Windsor utiliza o folclore que os ingleses conheciam bem de longa data; tinham o Falstaff assim como nós temos Malazarte, embora com características psicológicas diferentes. Tais peças estão entre as melhores do gênero: Os Dois Cavalheiros de Verona, Trabalhos de Amor Perdidos, Como Gostais, Noite de Reis, e a fantástica Sonho de uma Noite de Verão, que não é "italiana", mas é uma das melhores da primeira fase. Deliciosas e maravilhosas são essas comédias destinadas ao povo, o que não significa que eram simplórias. O jogo de palavras é de uma perspicácia sempre admirável, da mesma forma que o são os ditados populares em todos os cantos da terra. Enfim, são peças de conteúdo popular, mas de elaborada estrutura formal. Essas comédias ainda fazem sucesso no mundo todo, devido à habilidade do dramaturgo de recriar situações cômicas, e principalmente pelos inteligentes diálogos, que demonstram o jogo da sedução; do mesmo jeito que eram deliciosos na época, permanecem vívidos e atuais, de compreensão para todos, senão os chistes, ao menos a intenção dos pares que se escondem e aparecem, que açulam e se negam, alternando-se como gelo e fogo, com o objetivo de aguçarem o instinto de erotismo. E isso é entendido muito bem tanto naqueles como nestes tempos.
Não podemos chamar Shakespeare de ‘popular’ só por causa disso. Sabemos que o maior legado desse genial dramaturgo está nas tragédias e na última peça A Tempestade, que não é propriamente uma comédia, mas sim tragicomédia, ou ‘romance’, uma espécie que não se enquadra em gênero dramático algum; é uma fantasia, diríamos. Excetuando alguns intelectuais e homens de leitura, essas tragédias eram assistidas por um povo que não as compreendia; a platéia bocejava e ou ria em trechos onde não havia motivo para riso. Entediados, muitos erguiam-se e deixavam o lugar antes do final. Até hoje essas peças trágicas não se tornaram populares, mas sim popularizadas, mais pelo nome e pela trama do que pelo conteúdo literário. Todos conhecem Romeu e Julieta, a tragédia escrita na mocidade de Shakespeare; quase todos sabem da demência juvenil de Hamlet, da demência senil do Rei Lear, do ciumento Otelo, do invejoso Iago e da ambição desmesurada da esposa de Macbeth, principalmente através de versões cinematográficas. Quantos realmente assistiram essas obras encenadas no palco ou as conhecem pela leitura atenta? Na própria Inglaterra, Shakespeare é lido cada vez menos, os jovens fazem careta ao estudá-lo, da mesma maneira que a maioria aqui torce a boca ao estudar Machado de Assis. Há muita erudição nessas tragédias shakespereanas, muita complexidade psicológica e filosófica no texto frontal e nas entrelinhas; de linguagem difícil são os dramas históricos; a poesia do teatro de Shakespeare é sofisticada e de altíssimo nível.
Pelo fato de Shakespeare ter vindo de família de camponeses e não ter frequentado uma universidade não significa que ele não tenha estudado muito. O nosso Machado de Assis também veio de família humilde e chegou a um grau espantoso de erudição. É evidente que Shakespeare estudou os clássicos, quando jovem, vivendo em Stratford-upon-Avon, e em Londres, enquanto guardava cavalos em frente ao Teatro Real. Seguiu estudioso por toda vida. Foi um autodidata. Durante um bom tempo demonstrou em seus textos falhas e equívocos, provenientes de uma cultura cheia de lacuna, por isso mesmo mais livre e audaciosa, o que geralmente não ocorre a acadêmicos; por conhecerem demais textos já existentes, temem plagiá-los, inibindo a criação espontânea. Não é o caso de Shakespeare, que foi ousado justamente porque conhecia menos de técnica e gramática do que deveria. Errou no início, mas com o tempo se aperfeiçoou, sempre de maneira autodidata, descobrindo a própria linguagem, associando o conhecimento 'acadêmico' com as tentativas pessoais de (re)invenção artística. Foi mais original do que seus contemporâneos. Mas não encontramos falhas iniciais como as dele em Christophe Marlowe, por exemplo, que estudou em Cambridge, e foi grande dramaturgo, contemporâneo, amigo da mesma idade e precursor de Shakespeare. Entretanto, a única peça de Marlowe que continua atual e representada é a tragédia Doutor Fausto, a mesma que depois se tornou um modelo para Goethe.
Tomo como base o percurso dessa evolução a partir da leitura dos próprios textos iniciais do poeta-dramaturgo. Por isso, afirmo: Shakespeare estudou muito os modelos clássicos. A Comédia de Erros, primeira peça cômica do autor, foi escrita a partir de Plauto, o comediógrafo latino. De estrutura nitidamente acadêmica é a primeira trilogia de Henry VI. Acadêmicos são os poemas Vênus e Adônis e A Violação de Lucrécia. Sim, obras do início, mostram-se imperfeitas e sem personalidade definida, mas a partir daí todas as criações de Shakespeare mostram-se evolucionárias, uma transmutação dos modelos greco-romanos, seja na comédia re-criando a divertida e eterna guerra entre os sexos, seja nas tragédias utilizando tudo quanto há de mesquinhez, falhas de caráter e conturbados desvios psicológicos dos personagens: a dúvida existencial, a loucura juvenil e senil, o ciúme, a inveja, a ambição desmedida, ira e arrogância na usurpação do poder. Todas essas tramas refletem o ser humano, de ontem e de sempre; não perdem a atualidade, portanto. As peças de Shakespeare permanecem atuais, assim como as tragédias de Sófocles e Ésquilo, ou as comédias de Plauto e Terêncio.
Chamar Shakespeare de ‘popular’ só porque escreveu comédias populares é o mesmo que chamar assim Beethoven porque compôs o Septeto, tão popular em sua época. Tanto as comédias do dramaturgo como essa peça de câmara são obras de autores de vasto conhecimento que também criaram arte popular de alto nível.
Há também outro caso em pauta: essa confusão toda alegando que Shakespeare talvez nem tenha existido, surgiu a partir de uma teoria inconsistente, em que atribuem ao filósofo Francis Bacon, homem de espantosa erudição, a criação de toda a obra do dramaturgo. São especulações de historiadores incompreensivos. Se fosse verdade, não existiria nos textos iniciais do maior poeta inglês as falhas de técnica e o estilo titubeante, comum aos jovens tanto naquela como em todas as épocas. A evolução de Shakespeare foi de uma ascensão impressionante, porém gradativa, que somente ocorreu no mesmo nível na obra daquele outro gigante: Beethoven. O início da obra de ambos não dá idéia do que viriam a se tornar quando amadureceram as emoções e os pensamentos. Teorizar e duvidar que Shakespeare não é o autor das próprias obras não tem qualquer sentido lógico. Se ao músico Beethoven não é negada a realidade de sua evolução, pelos estudos das partituras, por que é recusada a Shakespeare a autenticidade de sua autoria, se há livre acesso aos escritos originais de suas peças, as mesmas que estão publicadas em todas as línguas, e nelas qualquer estudioso pode notar a escala ascendente de aprendizado?
As pessoas não entendem que um gênio não nasce pronto. Na verdade, é o dom trabalhado que se torna talento; na maioria das vezes, trabalhado com muito suor e dedicação. Em alguns raros casos, esse talento transforma-se em genialidade. A contestação de autoria dessas obras cheira-me à inveja, uma desmedida inveja, proporcional ao gênio que as criou. Ou seja, novamente os Iagos continuam querendo destruir os Otelos triunfantes.
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